Ciclovias da Vila Prudente: porque não faz sentido apagá-las


Ciclovia Vila Prudente - Trecho I

A vereadora Edir Sales (PSD) enviou um documento oficial ao presidente da CET, João Octaviano Machado Neto, solicitando a remoção de ciclovias no distrito de Vila Prudente. Sendo assim, logo após o prefeito de São Paulo João Doria (PSDB) ter anunciado o desmonte das ciclovias para transformá-las em faixas de rolamento e estacionamento para veículos motorizados (na prática, voltar como era antes das ciclovias), o mesmo informou que a Vila Prudente seria a primeira afetada pelo retrocesso. Segundo a vereadora, as ruas do bairro não comportam ciclovias e elas atrapalham os moradores em suas atividades habituais. A ideia deste texto é mostrar algumas incoerências na solicitação apresentada pela vereadora e expor o ponto de vista de quem pedala e conhece o bairro sobre algo que vai além do retrocesso, e eu explico porque.


Documento enviado pela Vereadora Edir Sales (PSD) ao presidente da CET.

A vereadora começa o texto suplicando ao presidente da CET, João Octaviano Machado Neto, que atenda a solicitação dos moradores, comerciantes e frequentadores do bairro para remover as ciclovias das ruas Pinheiro Machado, Mário Augusto do Carmo, Professor Gustavo Pires de Andrade e da Avenida Francisco Falconi, todas situadas no distrito de Vila Prudente, e justifica dizendo que as ruas do bairro não comportam ciclovias e que elas atrapalham moradores e frequentadoes em suas atividades habituais. Ela diz, por exemplo, que na Rua Pinheiro Guimarães a ciclovia tem prejudicado comerciantes e o tráfego de veículos.

Vejam, trata-se de um trecho de ciclovia com apenas 170 (cento e setenta) metros de extensão que não retirou nenhuma faixa de rolamento. Portanto, não é verdade que a ciclovia atrapalha o tráfego de veículos. A estrutura localiza-se paralela a muros de condomínios, que dispõe de grandes estacionamentos. Isto é, o trecho de ciclovia em questão sequer passa pelas portas do comércio da rua. 


Ciclovia da Rua Pinheiro Guimarães (antes e depois).


 

Extensão da ciclovia. Ocupa apenas uma quadra da rua.



Ciclovia não atrapalha o tráfego de veículos.

Já no terceiro parágrafo, ela coloca várias informações desencontradas. Veja: "já a Rua Mário Augusto do Carmo é uma via estreita, com duas mãos de direção cujo o número de moradores é extenso devido a presença de vários condomínios em sua extensão. Ademais, já existe uma ciclofaixa na Avenida Jacinto Menezes Palhares, paralela à Avenida Francisco Falconi para servir os pouquíssimos ciclistas presentes no bairro". Ela começa falando da ciclovia da Rua Mário Augusto do Carmo e termina afirmando a existência da ciclofaixa da Avenida  Jacinto Menezes Palhares, tentando justificar a remoção da ciclovia da Rua Mário Augusto do Carmo apresentando essa substitutiva. No entanto, apesar de a Avenida Jacinto Menezes Palhares ser uma paralela à Avenida Francisco Falconi, segue um trajeto transversal à Rua Mário Augusto do Carmo, que sequer está conectada direitamente a ela. 



Em verde, a Rua Mário Augusto do Carmo, e em vermelho, a Avenida Jacinto Menezes Palhares.


Vale ressaltar, mais uma vez, que a presença da ciclovia na rua não atrapalha o tráfego de veículos motorizados, pois a área destinada às bicicletas ocupa um espaço antes destinado ao estacionamento de carros. 


Antes e depois da ciclovia: mantiveram-se as duas faixas de rolamento (uma em cada sentido). A ciclovia substituiu uma das faixas de estacionamento.


Espaço de circulação de automóveis preservado.

Vale lembrar, ainda, que como dito pela própria vereadora, é uma rua constituída por diversos condomínios (na verdade, são apenas 8), e todos eles possuem estacionamento.

Ainda nesse parágrafo, a vereadora afirma que há pouquíssimos ciclistas no bairro. Mas será que, de fato, foi realizada uma contagem de ciclistas, ou ela é mais uma daquelas pessoas que passam aleatoriamente de carro num horário qualquer do dia, e ao não observar um intenso congestionamento de bicicletas, pressupõe não haver ciclistas?

Mais adiante, no parágrafo seguinte, a vereadora faz um apelo: justifica a necessidade de uma suposta urgente e imediata remoção das ciclovias. Mas por que todo esse desespero? Será que a ciclovia apresenta um grave erro de projeto? Não. Segundo a vereadora, toda essa necessidade de urgência se dá porque a população do bairro não está satisfeita em ter que compartilhar o espaço público das ruas com as bicicletas. 

E por fim, no mais bizarro dos parágrafos, a vereadora solicita a remoção da ciclofaixa da Avenida Francisco Falconi, e que ela seja substituída por vagas de estacionamento a 45°. E aqui está a explicação para o que foi afirmado no início deste texto: é algo que vai além do retrocesso. Por quê? Porque a avenida em questão jamais possuiu vagas de estacionamento a 45°. Essa ciclovia foi implantada de forma a gerar menor impacto, já que não remove nenhuma faixa de rolamento e situa-se paralela a um extenso muro, que vai de ponta a ponta da avenida. Por estas razões, mantiveram-se as duas faixas de rolamento existentes na via. Ao substituir a ciclovia por vagas de estacionamento a 45°, no entanto, remover-se-á uma das faixas de rolamento da via, o que diminuirá pela metade o espaço destinado a circulação dos automóveis. Ao contrário da ciclovia, isso sim poderá prejudicar o tráfego de veículos motorizados.


Antes e depois da ciclovia. Avenida não possuia vagas de estacionamento a 45°.


Vagas de estacionamento em frente às floriculturas foram preservadas.



Vagas de estacionamento em frente ao crematório foram preservadas.



Cemitério possui estacionamento.

Agora, vamos aos fatos


Quando se fala em remover ciclovias, não se trata apenas de apagar trechos de uma simples faixa vermelha, mas de interromper a plena conexão entre ciclovias de uma rede cicloviária que está em formação na cidade, e foi construída junto com a sociedade civíl através do PlanMob (Plano de Mobilidade), que segue a Política Nacional de Mobilidade Urbana (lei 12.587/2012).

As ciclovias da Vila Prudente, constituídas por três trechos, não diferentes das outras, também estão incluídas nessa rede. Elas conectam, por exemplo, a ciclovia da Avenida Professor Lúis Ignácio de Anhaia Mello, situada sob o monotrilho, que por sua vez ligará o Largo de São Mateus à Vila Prudente, e futuramente será conectada às demais ciclovias da malha cicloviária paulistana. Segundo a Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo, a CET, é também através da ciclovia da Rua Professor Gustavo Pires de Andrade, uma das quais a vereadora solicita a remoção, que o bairro será conectado à ciclovia Doutor Francisco Mesquita, que liga a avenida de mesmo nome ao bicicletário da Estação Tamanduateí do Metrô e da CPTM, e futuramente ao restante da rede.

Vale afirmar, ainda, que a cidade de São Paulo possui 17.200 quilômetros de ruas e avenidas, e apenas 468 quilômetros de ciclovias, o que está longe de ser um excesso de infraestrutura cicloviária.

O pedido de desativação das ciclovias da Vila Prudente representa mais que um retrocesso, é uma tentativa clara de tentar obter mais privilégios para o carro à custa da vida de quem vai de bicicleta e à custa do estímulo à mobilidade ativa, para dar àqueles que já ocupam a maior parte dos espaços da cidade ainda mais mordomias, presenteando-os com privilégios que não tinham nem mesmo antes da existência de ciclovias na região.

Apagar essas ciclovias é, ainda, uma forma de desperdiçar recursos do município para desmontar, sem nenhuma justificativa, uma estrutura que foi implantada com investimentos públicos para proteger vidas, estimular o uso de um meio de transporte sustentável e criar pela primeira vez em São Paulo uma rede cicloviária (e não apenas ciclovias distribuídas por onde "sobra espaço")

Enquanto diversas cidades do mundo levam a diante políticas de estímulo à mobilidade ativa e à preservação da vida, em São Paulo se discute a remoção de ciclovias. É algo inaceitável, não podemos aceitar esse retrocesso. E menos ainda o oportunismo de quem quer obter ainda mais privilégios a partir disso. Porque só quem pedala sabe a verdadeira importância que cada centímetro quadrado de tinta vermelha no chão tem.


Ciclovia apenas democratizou e distribuiu melhor o espaço da via.

Comentários

  1. Acrescentaria ao texto o fato de se remover ciclofaixas antes de os principais acessos que levaria a um aumento na demanda não estarem disponíveis. Como a ligação até o centro da cidade. Se está já existisse o uso dessas ciclofaixas seriam ainda maiores e justificadas.

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    1. Boa. Não só a ligação com o centro da cidade, mas o próprio fato de as ciclovias de Vila Prudente terem a função de coletar o tráfego de bicicletas da Ciclovia da Anhaia Mello, que atualmente tem 2,9 quilômetros, mas está em obras no trecho até São Mateus e terá 13 quilômetros de extensão no total. A demanda de ciclistas dos distritos de São Mateus, Sapopemba, São Lucas e a própria Vila Prudente alimentará essas ciclovias, que deverão levar essa demanda ao centro e ao bicicletário da Estação Tamanduateí do Metrô e da CPTM, o único da região com gestão. Assim que tiver tempo, faço as adições necessárias ao texto. Obrigado!

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